30 de dez. de 2008

CATARSE

Por favor não se assustem. Nada de grave aconteceu, eu só preciso escrever. Embora muitas das coisas aqui escritas sejam verdadeiras (pra não dizer todas) tenho medo de vcs acharem que estou de mimi-fazendo-drama.

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VIDA

Saio de casa pra tratar de assuntos com uma pessoa que está celebrando uma conquista da sua vida. Discutimos. Algumas coisas têm que ser acertadas, pq tudo tem que ser lindamente resolvido e milimetricamente.

Discutimos se 9 centímetros serão suficientes ou 10 centímetros. "Mas 1 centímetro fará tanta diferença assim?"- ele me pergunta e eu respondo que "Sim, que ás vezes é bom deixar um centímetro pra termos mais folga.".

Tudo foi escolhido a dedo, tudo foi pensado, tudo feito com o mais profundo carinho e esmero. Nada pode ficar meia-boca. Tem que ser perfeito, ou mais que perfeito. A vida e suas conquistas têm que ser celebradas e pra essas conquistas, a comemoração é feita aos pouquinhos. Uma cerveja na mesa do bar não será suficiente, nem duas.

Cores, texturas, aromas, acabamentos, luzes.... tudo isso foi estudado, pensado e merecido. Sim, pq a pessoa merece tanto planejamento para suas concretizações. Pq foi uma importante etapa da vida que foi cumprida.

Vida

Saindo de lá, do lugar feito pra ser perfeito.... ando pela rua de carro e vejo na rua, em plena luz do dia como diriam os antigos, mas eu serei mais precisa: 15 pra uma da tarde de uma Segunda -Feira; neste exato momento vejo um morador de rua, com as nádegas de fora e banhava seu sexo com a água que corria pela sarjeta. Morador de rua, pela sujeira, pela falta de identidade, pela falta de tudo por assim dizer; fica muito difícil distinguirmos o sexo. Mas eu e meus olhos inconformados vasculharam os detalhes que puderam me atestar que se tratava de uma mulher. Uma mulher, que frágil por toda a concepção e cheia de caprichos em seu sexo (pq sabemos que o Criador foi um arquiteto bem engenhoso e detalhista PRA NÃO DIZER MACHISTA) caso ela quisesse ficar limpa, a única saída que ela tinha era aproveitar a água que vinha pela sarjeta e usando um pote, lavava seu sexo. Em plena Segunda-Feira, no meio da rua, sem cerimônia. Ou pudor. Ou senso.

Na hora, o pensamento que veio à minha mente foi: " e eu discutindo centímetros em um banheiro, sendo que tem gente que se quiser um banho, usa a água da sarjeta e um pote.". Foi instintivo. Mesmo.

Mais tarde, recobrando o raciocínio, percebi que ambos estavam lutando pela vida. Um pq 1 centímetro faz diferença na luta pra outro banheiro melhor e ainda a ser conquistado. Outra pq entende que apesar de ter perdido quase tudo (incluindo aqui sua dignidade), seu corpo ainda estava vivo e exigia cuidados. Cuidados que lhe garantiriam a vida.

MORTE

Saindo dessa cena e dessa pseudo-reflexão de uma cena dantesca dessas pode provocar em nós, seres humanos que temos banheiros e podemos tomar banhos privativos dos demais, eis que passo por uma ponte de acesso a uma rodovia em Sampa e percebo que o tráfego vai afunilando os carros. Até que vejo um policial. Inerte. Ele mal fazia o movimento do famoso "circulando!". Na sequência, meus olhos percebem uma kombi da polícia e mais um policial e assim do nada, de chanfro mesmo, vejo um corpo estendido no chão. Não há sangue. Não há nada pra fora do seu corpo. Apenas um corpo, estendido no chão (a la Chico Buarque) e pasmem, com as calças em seus tornozelos.

A primeira coisa que pensei foi "putz grila, meu! (pq eu sou de Sampa, ?!) Hoje vi duas bundas alheias. Duas bundas estranhas. Duas bundas em cenas bizarras, dantescas. Como ele teria morrido? Pelo que entendi, era desses andarilhos bêbados que parou pra mijar na ponte e foi atingido por um caminhão. Pq a seguir do corpo, havia um caminhão. Então é tudo o que a minha dedução que nem é muito precisa, pode atinar.

Fiquei pensando no quão insensato era alguém escolher uma ponte, acesso de uma importante rodovia pra mijar. Mas pensei que talvez fosse mais um desses que andam por aí, sem ter um banheiro pra discutir se 9 ou 10 centímetros caberiam no plano perfeito.


Vida

Cheguei ao meu destino. Acompanharia o Namorado em duas cirurgias, procurando não atrapalhá-lo. Ficando calada e fazendo tudo o que ele mandasse.

O primeiro paciente, uma cadela que teve uma fratura exposta e valente, não se queixou nada nem pra sua proprietária e nem quando o Amigo Anestesista a pôs sobre a mesa pra anestesiá-la. Qualquer um de nós, entregaria os pontos, pediria todos os analgésicos e mais alguns. E ela só olhava com aqueles olhinhos dóceis e conformados. E não me venham dizer que bicho sente menos que gente. Não mesmo. Apenas eles não têm muita forma de comunicar o que sentem e acredito eu, se conformam com a dor. Pq sabem que por milagre humano ou divino, a dor passa. Pq esse é o caminho da vida. A vida passa levando as dores embora. As dores do corpo e da alma.


Morte

A segunda paciente. (Reparam que eram só fêmeas hoje?) Uma gata com um problema genético que empurrava seus intestinos rumo aos pulmões, fazendo que a única posição que a fazia respirar melhor, era em pé. Imaginem um gato em pé, em duas patas. E ela, foi recolhida da rua. Magra, sabe-se lá em que condições orgânicas.... ainda assim ela na sua luta pela vida, encontrou quem a adotasse e acreditasse que seria possível lhe dar a melhor vida possível. E não sei agora quem foi mais insistente, persistente nessa história:o coração dela que fraquejava nos momentos cruciais, o Namorado que massageava diretamente seu coração sem empecilhos ou o Amigo Anestesista que respirava pela gata. A cada sinalzinho mínimo, sutil de vida... eles insistiam e ela lutou com seu corpinho frágil, raquítico, mirrado, andarilho de rua de3 meses de vida.

Na luta pela vida, que durou cerca de 3 horas e meia, as pulgas que ela trazia junto, abandonavam seu corpo. Pq elas queriam viver também. "Assim como os ratos que abandonam o navio prestes a naufragar" foi o que pensei vendo elas pularem uma a uma....lutando pela vida.

Infelizmente as pulgas tiveram a mesma sorte que a gata.

Infelizmente não aceitamos ainda as pulgas, os gatos andarilhos, os andarilhos.

Infelizmente, nos perdemos nos centímetros da vida. Nos planos perfeitos que idealizamos. E esquecemos do mais importante.

Vida.

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